Judeus pedem reabilitação de militar "imoral"

JN 2011-09-20: A polémica tem, pelo menos, a idade da democracia e foi, esta terça-feira, discutida: um dos mais importantes membros da comunidade judaica em Portugal foi expulso do Exército por actos relacionados com a sua religião e, mesmo 50 anos após a morte, nunca foi reintegrado.



Em Trancoso, no Festival da Memória Sefardita, o dia foi dedicado a Artur Carlos Barros Basto, oficial das Forças Armadas e, nos anos 30, director do Instituto Teológico Israelita do Porto. E também o dinamizador da construção da Sinagoga do Porto, na Rua de Guerra Junqueiro.

A história do processo que levou à retirada das suas insígnias, em 1937, nasce com denúncias anónimas contendo acusações de homossexualidade que, em julgamento, não ficaram provadas.

Mas, no mesmo caso, foi dado como assente que Barros Basto "afectou a respeitabilidade" e o "decoro militar" ao fazer circuncisão a vários alunos do Instituto Teológico Israelita, segundo um dos preceitos da religião judaica. Foi, por isso, oficialmente "separado do Exército". O que significa que, aos 50 anos, perdeu o emprego e o direito à reforma.

Este desfecho foi agravado em 1978, depois do 25 de Abril. O capitão já tinha falecido, na miséria, há 17 anos (1961, com 74 anos). Instaurada a democracia, a viúva Lea Barros Basto, aos 82 anos, escreveu ao então presidente da República, Costa Gomes, a pedir para ser feita "justiça à memória", com a "reabilitação moral e reintegração", argumentando que o marido foi "vítima de perseguição política, com a finalidade de o separarem do serviço militar, por ser praticante da religião judaica".

Eis então que um parecer do Estado-Maior-General das Forças Armadas pôs um ponto final na pretensão, dizendo que não goza da "mínima pretensão legal".

Só que fê-lo com o falso pressuposto de que Barros Basto fora condenado por actos de homossexualidade com alunos. O instrutor do caso leu a primeira questão colocada pela acusação, mas ignorou a resposta final, após julgamento: "Não, por unanimidade".

Com este argumento, o Exército afastou a hipótese de reintegração póstuma e reabilitação moral do capitão Barros Basto, porque actos homossexuais (que não foram provados) "nada têm a ver com as cerimónias prescritas pela religião semita", lê-se em documentos a que o JN teve acesso. O erro nunca foi corrigido e, para o Estado português, Artur Barros Basto continuou a ser considerado "imoral", mesmo por actos considerados inseridos no exercício da liberdade religiosa.

Volvidas décadas, as iniciativas dos sucessores passaram para o plano político, uma vez que a reintegração do militar já falecido só pode concretizar-se mediante intervenção da Assembleia da República.

Organizações judaicas diversas já classificaram Barros Basto como o caso "Dreyfus" português" - um militar do Exército francês expulso por ser judeu, mas mais tarde reabilitado.

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